Atacar a inflação a partir dos alimentos, mas e o trigo?
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É de conhecimento da maioria das pessoas que o somos campeões mundiais em muitos itens quando o assunto é produção agropecuária. Porém, o trigo ainda é um dos poucos produtos relevantes da nossa alimentação que apresentamos forte dependência do mercado externo, sendo hoje mais da metade do consumo doméstico oriundo de importação, onde a Argentina destaca-se como principal fornecedora. No ano passado o Brasil consumiu cerca de 12,8 milhões de toneladas do cereal, dos quais 6,6 milhões de toneladas vieram de outros países e destes, cerca de 60% vindos do país vizinho.
O imposto de importação do trigo hoje é de 9%, exceto para os países que compõem o bloco econômico MERCOSUL, que inclui a Argentina, portanto zerar o imposto de importação do produto não traria tanto efeito, na prática, sobre os preços dos alimentos, e consequentemente sobre a inflação. Mesmo sabendo que existem dezenas de produtos cuja matéria-prima principal é o cereal, assim como a isenção poderia tornar países como Rússia, Canadá e EUA, por exemplo, mais atrativos, não teríamos grandes impactos.
Mas então por que trago a provocação sobre o produto?
Porque o governo federal divulgou uma lista ainda menos relevante do ponto de vista da inflação. A soma de todos os produtos atingidos pela medida anunciada no último final de semana não impacta em quase nada sobre o IPCA, especialistas já afirmam que não chega a 0,2% de efeito. Então se objetivo é afetar o nível de preços dos alimentos o ideal seria atacar os de maior participação no consumo doméstico e, principalmente, os que realmente requerem abastecimento a partir do mercado externo, afinal, carne e café, por exemplo, já somos campeões em produção interna.
Em resumo o governo precisa prestar atenção em outros pontos mais relevantes, que podem produzir efeitos consistentes e duradouros sobre os níveis de preços, entre as medidas inclui investimentos em infraestrutura para reduzir os custos logísticos, incentivar as pessoas de baixa renda a buscar meios de melhorar a empregabilidade, apoiar o empreendedorismo como forma de transformação social e, principalmente, promover uma reforma fiscal profunda, que apresente compromisso com o uso eficiente do dinheiro público, reduzindo gastos desnecessários, a exemplo de boa parte dos 3,5 bilhões de reais previstos para gastar em propagandas este ano, sem prejuízos dos serviços essenciais voltados a quem mais precisa do Estado.