Home Destaque Kay Pranis: “A Justiça Restaurativa serve para lembrar quem nós realmente somos”
fullinterna_3


Kay Pranis: “A Justiça Restaurativa serve para lembrar quem nós realmente somos”

| Por
Ativista da paz, aos 75 anos, a escritora e professora Kay Pranis percorre o mundo com a imensa responsabilidade de revelar ao ser humano aquilo que ele já sabe: que as respostas vêm de dentro. “Uma das maiores coisas que aprendi é que não tenho nada de novo a ensinar às pessoas, as respostas já estão dentro delas, e quando elas escutam eu falar, elas apenas reconhecem que já sabiam as respostas”.
 
Nascida no Estado de Nova Iorque (EUA), de fala mansa, olhos pequenos, jeito doce e muito humilde, não é exagero dizermos que ela se tornou a ‘Mãe dos Círculos de Construção de Paz’, e referência internacional quando o assunto é difundir as práticas da Justiça Restaurativa. Acompanhada da tradutora e também instrutora de círculos de paz, Fátima De Bastiani, Kay ministrou nos dias 21 e 22 de setembro, no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, o Workshop ‘Justiça Restaurativa e os Processos Circulares’.
 
Na década de 90, o Departamento Correcional do Estado de Minnsesota (EUA), desafiou Kay a desenvolver um método capaz de solucionar conflitos a partir do diálogo. O objetivo era aproximar jovens e adultos inseridos nos mais diferentes sistemas, como escolas, serviços sociais, locais de trabalho, associações de bairro, igrejas, famílias e outros espaços de convivência. Foi a partir daí, que Kay visualizou a possibilidade da criação de espaços seguros de diálogo, envolvendo a presença tanto das vítimas quanto dos ‘agressores’ e a comunidade afetada pelo conflito.
 
 
“A justiça social requer que todos tenham sua dignidade respeitada. Um dos maiores desafios à construção da paz é que todos tenham sua dignidade respeitada, inclusive aqueles que causaram o dano, porque eles também possuem sua dignidade, que em algum momento foi desrespeitada. E é somente em um espaço de não-condenação que alguém pode mudar. Nós vivemos em um paradigma cultural que condena. Para que as pessoas possam se adequar, nós as ameaçamos, dizemos a elas que não são iguais, que não são eficientes, que não são adequadas, mas essas são estratégias de condenação, que não são eficientes para a construção da paz”, afirma Kay Pranis.  
 
Para Kay, o círculo de construção de paz é uma forma eficiente de justiça, onde aquele que expressa sua verdade e é ouvido com respeito e empatia, traz à tona para todo o grupo, a oportunidade de ressignificar a dor e os traumas vividos. Quando uma grande dor surge, surge também a oportunidade da cura, e quando as perturbações acontecem, portas são abertas para uma cura ainda mais profunda.
 
Os círculos convidam emoções. Por isso, é muito importante que as pessoas sintam confiança em depositar suas emoções no círculo, sem que se sintam constrangidas ou inadequadas, e nesse processo, a empatia e o não-julgamento, ou a não-condenação, são fundamentais.
 
Fundamental assim como a humildade, mas não a humildade pura e simples, e sim a humildade-amorosa, afirma Kay. “Humildade é o reconhecimento das nossas limitações, e compreender que isso não me faz menor que o outro, e assim, acessamos a sabedoria coletiva que é sempre maior do que qualquer sabedoria individual. E aí, é importante que a nossa humildade seja também amorosa, com o coração aberto, disposto e disponível”.
 
Com origem nas culturas indígenas da América do Norte, os Círculos de Paz foram ao longo dos anos absorvendo novos conhecimentos, e se adaptando à medida que ganhava o mundo. Conta Kay Pranis, que o respeito ao direito do outro de se expressar, era tão forte entre as tradições indígenas, que somente algo de igual valor poderia fazer parte daquele momento.
 
Acreditava-se que somente um objeto suficientemente digno, quanto a pena de uma águia, seria capaz de ter o respeito dos participantes dentro de um círculo. Para as tradições indígenas, o arquétipo da águia traz valores que são basilares, como superioridade, sabedoria, força, liberdade, honra, verdade e honestidade, sobre os quais nenhum dos participantes do círculo, tendo a pena em suas mãos, seria capaz de agir de outra forma, senão com honestidade e verdade.
 
“Culturas indígenas do Canadá, estabeleceram o uso de uma pena de águia como objeto de respeito ao uso da fala. A sabedoria associada à águia, um animal que voa sobre as nuvens, considerado aquele que é o mais próximo de alcançar o divino, traz uma simbologia e valores muito fortes, principalmente para os povos originários”, explica Kay.
 
Perguntada sobre o legado que pretende deixar, a escritora sorriu levemente, olhou para o alto, como quem busca inspiração, e respondeu: “O que quero deixar como legado é a esperança dos valores que nós construímos nos círculos, os valores do melhor ‘eu’ de cada um, e que as pessoas possam entender, que a partir dessa base de valores nós podemos viver bem juntos, que a humanidade tem a capacidade de fazer melhor do que está fazendo agora, e que existe uma forma concreta de nos movimentarmos nessa direção. Também poderia responder sua pergunta de outra forma, que meu legado seria que as pessoas entendessem a interconexão profunda a que nós todos estamos ligados, e que nós todos estamos profundamente interconectados”.
 
Servidor da Paz – Idealizado pela presidente do Poder Judiciário de Mato Grosso, desembargadora Clarice Claudino da Silva, o Projeto ‘Servidor da Paz’, tem a meta de formar facilitadores que irão atuar como agentes de pacificação no ambiente de trabalho.
 
A ferramenta oportuniza aos servidores a possibilidade de viver os valores e princípios da Justiça Restaurativa, proporcionando diálogos e abordagens estruturadas entre os próprios servidores. A técnica não só garante a construção de espaços seguros, onde todos têm a oportunidade de expressar seus sentimentos e necessidades, como também oportuniza a compreensão de atitudes, abrindo caminho para a solução e a prevenção do conflito.
 
Provocada sobre qual seria a maior qualidade de um facilitador, Kay Pranis respondeu: “A qualidade que me vem rapidamente a mente é a humildade. A humildade formata o tipo de relacionamento que vamos ter com as pessoas dos círculos, e torna mais fácil de nos colocarmos em um relacionamento de iguais, em termos de dignidade humana igual para todos, de escutar todas as vozes e estar receptiva para todos os dons trazidos pelos participantes. A humildade sempre vai te levar longe!”, ponderou.
 
Para os novos facilitadores que iniciaram a sublime tarefa de propagar a Justiça Restaurativa, a ‘mãe dos Círculos de Construção de Paz’ orientou: “Sejam pacientes consigo mesmos! É uma longa jornada até a gente ter muita prática, então nós precisamos ter muita paciência, porque os nossos velhos hábitos vão ficar nos puxando de volta, e quando alguma coisa nos faz reagir negativamente, a gente fica chateado, se questionando ou se cobrando, então paciência consigo mesmo. O princípio está sempre aqui, no coração, é sempre interno, e sempre vai estar no centro do peito, como uma bússola a nos guiar. Lembre-se que nós já sabemos a resposta”, concluiu Kay Pranis.
 
#ParaTodosVerem – Esta matéria possui recursos de texto alternativo para promover a inclusão das pessoas com deficiência visual. Primeira imagem: Escritora e professora norte-americana, Kay Pranis sorri para a câmera. De cabelos grisalhos e olhar sereno, ela veste uma blusa da cor preta com detalhes floridos na altura dos ombros. Segunda imagem: Foto de um Círculo de Construção de Paz realizado entre os servidores do Tribunal de Justiça. Em primeiro plano, a passagem do objeto da palavra entre os participantes. Terceira imagem: Foto ampliada do Círculo de Construção de Paz, realizada pelo Projeto ‘Servidor da Paz’.
 
Naiara Martins/Fotos: Lucas Figueiredo/Alair Ribeiro
Coordenadoria de Comunicação da Presidência do TJMT
imprensa@tjmt.jus.br
 
 

Fonte: Tribunal de Justiça de MT – MT

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here