Fraudes em empréstimos consignados atingem servidores estaduais e expõem abusos de empresas financeiras
Investigação da Decon revela que práticas enganosas ocorreram sem envolvimento do Executivo; servidores são induzidos ao erro em momentos de vulnerabilidade Foto: Divulgação
Os primeiros resultados da investigação conduzida pela Delegacia Especializada de Defesa do Consumidor (Decon) sobre supostas fraudes em empréstimos consignados a servidores públicos estaduais revelam uma realidade preocupante: as irregularidades partiram diretamente de empresas financeiras, no momento da oferta dos produtos, e não envolvem, até o momento, qualquer participação de servidores do Executivo Estadual.
De acordo com o delegado Rogério Ferreira, titular da Decon, os servidores acabaram sendo vítimas de estratégias enganosas, aplicadas por empresas que se aproveitam de sua fragilidade econômica. “Eles são induzidos ao erro, muitas vezes sem perceber, entregam seus dados, senhas e acessos aos portais do Governo. Isso facilita a ação dos suspeitos. É um cenário de vulnerabilidade que está sendo explorado”, afirmou o delegado.
Fraude disfarçada de crédito
As investigações já identificaram dois principais tipos de fraude. No primeiro, servidores são levados a acreditar que estão contratando um empréstimo consignado, mas na verdade estão adquirindo um cartão de crédito consignado. O valor que recebem seria um saque do cartão e o pagamento mensal é referente ao mínimo do cartão, não a parcelas de um empréstimo como imaginavam.
No segundo, empresas prometem portabilidade de dívidas com redução de juros e até a liberação de um “troco” para o servidor. Na prática, o que acontece é a contratação de novos empréstimos, muitas vezes com prazos alongados em até 120 parcelas, e a quitação antecipada de contratos antigos — tudo isso sem o conhecimento ou consentimento real do servidor.
“O golpe é travestido de negociação vantajosa. Mas o servidor acaba endividado por ainda mais tempo e sem entender a origem dos novos contratos”, explica Ferreira.
Responsabilidade empresarial e omissão informativa
Embora as empresas envolvidas tenham contratos juridicamente válidos, a forma de abordagem e a omissão de informações fundamentais caracterizam infrações graves contra os direitos do consumidor. “Essas práticas podem configurar crimes contra a relação de consumo, principalmente por induzirem o consumidor ao erro com base em informações falsas ou incompletas”, pontuou o delegado.
Ferreira também reforçou que o Portal do Consignado, utilizado para autorizações de consulta de dados, não é administrado pelo governo estadual. “O servidor opta por autorizar ou não o acesso aos seus dados. O Estado não interfere nesse processo, e o portal não é gerido por ele”, afirmou.
Força-tarefa e próximos passos
Com o reforço da força-tarefa iniciada em 2024, a Decon intensificou as apurações. Até o momento, quatro boletins de ocorrência foram registrados e mais de 3 mil páginas de documentos foram recebidas de órgãos como a Seplag, a Controladoria Geral do Estado (CGE) e o Procon.
A próxima fase das investigações envolve o depoimento de pessoas que possam fornecer mais detalhes sobre os contratos, as abordagens das empresas e as consequências sofridas pelos servidores. A expectativa é de que novos casos venham à tona à medida que a investigação avance.
Em um contexto de crise econômica e alta demanda por crédito, a investigação da Decon alerta para a necessidade urgente de maior regulação e fiscalização sobre as práticas de instituições financeiras que atuam junto a servidores públicos. Enquanto isso, os relatos de abuso seguem expondo uma dura realidade: a do servidor que, ao buscar alívio financeiro, acaba caindo numa armadilha silenciosa.