Cervejas vendem glamour, mas escondem a verdade: não existe consumo seguro de álcool
Campanhas publicitárias reforçam estereótipos de liberdade e prazer, mas ignoram alertas da ciência e da OMS sobre os riscos reais do consumo de bebidas alcoólicas Foto: Reprodução
As campanhas publicitárias das grandes marcas de cerveja continuam sendo um dos maiores fenômenos de apelo emocional e estético da mídia moderna. Seja na TV aberta, no Instagram ou nos intervalos de eventos esportivos, é comum vermos peças publicitárias ambientadas em praias paradisíacas, com mulheres jovens, corpos esculturais, festas à beira-mar e baladas onde a cerveja é o elo entre diversão, liberdade e pertencimento social. A mensagem é clara: com uma cerveja na mão, tudo é possível — inclusive ser mais feliz, mais desejado e mais aceito.
Mas há um dado incômodo que essa narrativa não conta. Por trás das cenas brilhantes, há uma realidade respaldada por pesquisas científicas e alertas de órgãos internacionais: não existe uma quantidade segura de álcool para consumo humano.
Essa não é uma teoria isolada. Estudos como o Global Burden of Disease Study 2016, publicado na revista científica The Lancet, mostram que o consumo de álcool, ainda que moderado, está associado a diversos riscos à saúde — de doenças cardiovasculares a diversos tipos de câncer. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS), em posicionamento divulgado em janeiro de 2023, afirmou de forma categórica: qualquer dose de álcool pode ser prejudicial. A instituição também reforça que o álcool é um carcinógeno do Grupo 1, ou seja, há evidência científica suficiente de que causa câncer em seres humanos.
Apesar disso, a maior parte das campanhas continua se esquivando de mencionar riscos. No lugar de informações reais, o público recebe apenas o slogan genérico “beba com moderação” — uma recomendação vaga, que mais cumpre função jurídica do que cumpre o papel de esclarecer o consumidor. Nenhuma publicidade de cerveja traz, por exemplo, a informação de que até mesmo uma taça ocasional pode alterar funções cerebrais, como indicou recente estudo da Universidade de Oxford com mais de 25 mil pessoas.
A ausência desse tipo de alerta reforça um problema maior: a normalização do álcool no cotidiano como se fosse uma substância inofensiva. Mais que isso, a publicidade transforma o ato de beber em símbolo de status, alegria e sensualidade — uma estratégia que não apenas esconde os riscos, mas os reveste de desejo.
Não se trata aqui de defender a proibição da bebida ou da propaganda, mas sim de cobrar coerência entre os avanços científicos e a forma como o consumo de álcool é tratado socialmente. O cigarro, por exemplo, passou por esse processo. Após décadas de lobby da indústria, hoje as embalagens de cigarros trazem imagens de doenças, alertas explícitos e campanhas educativas. Com o álcool, porém, o tratamento continua permissivo — mesmo sendo uma substância associada a mais de 200 doenças e fatores de risco, segundo a própria OMS.
Enquanto isso, a juventude continua exposta a uma publicidade que glamoriza o consumo e ignora seus efeitos. Em um país onde o acesso à informação é cada vez mais digital, seria razoável exigir que o marketing das bebidas alcoólicas trouxesse transparência, advertências claras e equilíbrio narrativo.
A verdade é que a cerveja pode até parecer bonita nas propagandas — mas a ciência, cada vez mais, mostra que o risco está presente desde o primeiro gole. A responsabilidade da indústria, dos anunciantes e dos órgãos reguladores precisa estar à altura do impacto que o álcool causa na sociedade. Afinal, informar não é tirar a liberdade de escolha. É garantir que essa escolha seja feita com consciência plena da realidade — e não apenas da estética publicitária.