“O aquecimento atmosférico está inviabilizando as geleiras’, avalia pesquisador
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O aquecimento da atmosfera, provocado pela ação dos gases de efeito estufa emitidos por ação antrópica, estão acelerando o derretimento das geleiras. Dados divulgados nesta semana pela Organização Meteorológica Mundial (WMO, na sigla em inglês) apontam que entre 2022 e 2024 houve a maior perda de massa de geleiras já registrada em três anos.
O primeiro ‘Dia Mundial das Geleiras’, estabelecido pela Organização das Nações Unidas é celebrado nesta sexta-feira (21). A data coincide com o ano internacional de preservação das geleiras. O objetivo é aumentar a conscientização global sobre o papel fundamental das geleiras no sistema climático, a importância para as economias global e locais e a necessidade urgente de sua preservação.
“A preservação das geleiras não é apenas uma questão ambiental, econômica ou necessidade social. É uma questão de sobrevivência”, afirmou a secretária-geral da WMO, Celeste Saulo, em comunicado.
Atualmente, as geleiras são o segundo maior contribuinte para o aumento global do nível do mar. O primeiro fator é o aquecimento do oceano.
Segundo a WMO, mais de 275 mil geleiras no mundo cobrem aproximadamente 700 mil km². As camadas de gelo e as geleiras armazenam cerca de 70% dos recursos globais de água doce.
Limitar temperatura do planeta – Para o diretor do Departamento para o Clima e Sustentabilidade do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Osvaldo Moraes, é necessário limitar com urgência abaixo de 2oC o aumento da temperatura do planeta. Segundo Moraes, esse é um esforço essencial não apenas para evitar eventos climáticos extremos, mas para evitar que os esforços de adaptação sejam tão custosos a ponto de se tornarem inviáveis. “O valor de investimento nas ações de adaptação necessárias ser diretamente relacionada ao aumento da temperatura. Com um aumento de temperatura muito grande, as ações de adaptação vão demandar muitos recursos”, afirma.
Aumento de 4oC e cenários catastróficos – O cientista e um dos pioneiros da glaciologia no Brasil, Jefferson Cardia Simões, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que o aquecimento atmosférico está inviabilizando as geleiras em regiões temperadas e tropicais. Além do aumento da temperatura, outros processos associados aceleram o derretimento, como a presença do carbono negro, decorrente da combustão incompleta, como das queimadas florestais e de combustíveis fósseis. “Muda a cor da superfície e depois, por ser preto, absorve mais energia, o que derrete mais gelo ainda, acelerando o processo de derretimento e retração das geleiras”, detalha.
Simões alerta que, caso o aquecimento médio do planeta não seja contido em até 2°C, as condições podem ser catastróficas, considerando apenas a elevação do nível do mar. “Até o momento, cerca de 4% do volume total do gelo do planeta está ameaçado de derretimento, que está se acelerando. Se não conseguimos segurar o aumento de 2°C no máximo, estamos falando em coisas mais catastróficas”, afirma.
Leia entrevista completa com o glaciologista Jefferson Cardia Simões:
Falar de preservação das geleiras é basicamente falar de redução de emissões?
Exatamente, o fator principal é tentar reduzir as emissões de gases de efeito estufa para reduzir o aquecimento atmosférico, que está inviabilizando geleiras das regiões temperadas e tropicais.
Há outro fator muito importante, que se esquece, principalmente decorrente das queimadas e da poluição pela queima de hidrocarbonetos. É o que nós chamamos de carbono negro (black carbon), que é gerado pela combustão incompleta. Ao cair sobre as massas de gelo e neve, muda a cor a cor da superfície, o termo técnico é albedo. Por ser escuro, absorve mais energia, acelerando o processo de derretimento e retração das geleiras.
Qual o papel das geleiras, em especial da Antártida, no sistema climático e no ciclo hidrológico?
Toda a cobertura de neve e gelo do planeta Terra tem um papel importantíssimo como regulador do sistema climático, quer como absorvedor de energia, forçando o transporte energia dos trópicos para as regiões polares, e mesmo em pequenas variações na massa de gelo, principalmente as ações do mar congelado, que varia sazonalmente. Isso modifica e afeta todo o sistema climático.
Já no ciclo hidrológico, cerca de 70% dos recursos hídricos de água potável do mundo estão na forma de geleiras. Para as regiões montanhosas, é uma das principais fontes de água para agricultura e para as áreas urbanizadas.
A Antártica ainda é a principal geradora, cerca de 80% da água de fundo dos oceanos, forçando toda a circulação profunda, o que nós chamamos a circulação termoalina [circulação oceânica global movida pelas diferenças de densidade entre as massas de água no oceano]. Então, pequenas modificações na origem dessas águas frias, que são formadas embaixo das plataformas de gelo da Antártica e embaixo do gelo marinho, afetam o clima global.
Quais os impactos do derretimento das geleiras, segundo principal fator que contribui para o aumento do nível do mar, na economia global e dos países?
O impacto imediato em regiões de montanhas é afetar os recursos hídricos, principalmente naquelas regiões mais secas, como parte do Peru, da Bolívia, algumas regiões nos Himalayas. Esse seria o impacto que eu vejo mais imediato e preocupante. Depois temos a questão no turismo, que está afetando todas as áreas que dependem do turismo de inverno, como os esportes de inverno.
Do ponto de vista global, nós temos a questão do nível médio dos mares. Com um cenário de aumento de até 1,10m a 1,20m até o ano de 2100. Mas, há algumas hipóteses de que se nós passarmos um ponto de não retorno, um tipping point, nós podemos ter casos catastróficos nos séculos 22 e 23 chegando ao aumento do nível do mar de sete metros por volta de 2300.
Com décadas de acompanhamento da situação, como o senhor avalia, sob o prisma científico, a situação da Antártida em 2025?
As duas regiões polares [Ártico e Antátida] apresentam mudanças climáticas intensificadas em relação ao resto do planeta, principalmente, na periferia dessas regiões. A periferia porque é onde nós temos mudança de estado do líquido para o sólido, e do sólido para o líquido. O aquecimento da periferia do Ártico é cerca de quatro vezes mais do que a média global. Na periferia da Antártica é de cerca de 2 a 3 vezes [em relação à média global]. Especificamente nas ilhas subantárticas e nas ilhas perto da Antártica, como a ilha Rei Jorge, onde o Programa Antártico Brasileiro atua, tem se mostrado cenários de várias modificações, como o esverdeamento de ilhas, devido à expansão de campos de musgos, mais gramíneas, migrações para o sul de diferentes espécies de pinguins e peixes e derretimento complexo do gelo.
Eu gostaria de enfatizar o seguinte ponto. Até o momento, só cerca de 4% do volume total do gelo do planeta Terra está ameaçado de derretimento. Quando nós falamos em ter derretimento está evidentemente se acelerando, de nós não conseguimos segurar o aumento de 2°C no máximo. O que houve já estourou. Aí sim, nós estamos falando em coisas mais catastróficas. Um aumento muito maior, levando a um descongelamento, quem sabe, de 8% do manto de gelo e ou mesmo de mais. E aí aquele cenário de até 7 m. Então, o desafio é cortar, reduzir e tentar administrar essa situação. Evidentemente, voltar ao que era pretérito, nós não voltaremos.