A partir daí, foram estabelecidas 30 políticas públicas, sendo a primeira delas o sistema estruturado de ensino. Formado por uma plataforma digital conectada ao material didático, ele abriga também formação de professores, avaliação permanente dos alunos e assessoria pedagógica e de gestão.
O sistema está a cargo da FGV, que participou da licitação realizada no modelo de contrato de impacto social. Nele, a instituição só recebe se forem cumpridas as metas de melhoria da qualidade da educação, verificadas por um auditor externo.
No primeiro teste dos alunos, feito no início do ano passado, a nota média ficou em 4,29 de 10. No fim do ano, havia ido para 5,1, com crescimento de 18,9%. Os primeiros anos do Ensino Fundamental melhoraram sensivelmente o desempenho, enquanto os anos finais do Médio sofreram um pouco mais.
“O Brasil avançou muito no processo que permite acompanhar o aprendizado de forma global, mas não consegue usar essas informações para fazer a gestão pedagógica e melhorar os indicadores”, afirma Henrique Paim, ex-ministro da Educação e diretor do Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV DGPE), que está implantando o projeto inédito.
“A ideia aqui é concentrar no que é mais importante – a aprendizagem dos alunos e a formação dos professores – e deixar a gestão dos equipamentos, como a reforma do telhado, o jardim da escola, o ar condicionado, a cargo do Estado.”
Para o poder público, a ferramenta se tornou uma bússola de trabalho. “Nunca havíamos tido um planejamento de melhoria, nem um estudo técnico que apontasse a deficiência da aprendizagem ou mostrasse para nós, da secretaria, onde estavam nosso gargalo e nossas dificuldades”, diz Nadine Moreira Botelho, secretária adjunta de gestão educacional de Mato Grosso. “Nossa prioridade é a efetividade da aprendizagem do aluno e, em paralelo, temos vários processos que buscam outras melhorias.”
Num primeiro momento, houve uma readequação do orçamento. Segundo Nadine, a secretaria realocou o investimento de formação de professores e material didático, por exemplo, para o sistema estruturado de ensino, no qual já paga por isso. Também aderiu a alguns programas do governo federal que trouxeram verbas, como o de escolas em tempo integral. Com o fôlego inicial do contrato de impacto social, pôde usar os recursos para necessidades urgentes, como reformas e ferramentas de trabalho.
Na prática
Apesar da melhoria nas notas, o primeiro ano de implantação foi difícil. Num Estado com grande extensão territorial, levar material didático bimestralmente a 664 escolas e mais de 320 mil estudantes, em cidades a 800 quilômetros de distância da capital ou a aldeias indígenas, foi um grande desafio logístico. “Hoje entregamos com 15 dias de antecedência do início do bimestre, algo que não conseguíamos fazer com o PNLD (o programa do livro didático do governo federal).”
A maior resistência, porém, esteve dentro das salas de aulas e veio tanto de professores quanto dos próprios alunos. “Costumo dizer que educação é o maior espaço de resistência à transformação”, diz Aline de Andrada e Silva, diretora da escola Ulisses Cuiabano, que tem 860 alunos, em Cuiabá. “No tempo da minha avó, a missa era em latim e o padre rezava de costas. Hoje a missa é uma festa, mas o professor quer continuar dando aula do mesmo jeito.”
Um dos principais desafios, diz ela, é quebrar a barreira do planejamento das aulas, antes todo feito em cima do livro didático, para o sistema apostilado e com diferentes recursos tecnológicos. Também submeter os alunos a testes constantes, entender suas dificuldades e atuar imediatamente no problema.
“Eu mesma, que estou na educação há 28 anos e sou uma ‘dinossaura’, no quarto ano de sala não fazia mais planejamento: já sabia de cor o conteúdo de cada série e dava aula no piloto automático”, diz ela. “Também é muito importante sairmos da avaliação punitiva para aquela que nos ajude a entender o que precisamos melhorar.”
Aline não foi a única a enfrentar esse tipo de dificuldade. “Havia resistência às avaliações porque ‘os alunos só iam tirar zero’”, diz Rejane Taques, diretora da escola Elmaz Gattas, em Várzea Grande (MT), em relação à frase que ouviu de um professor. “A verdade é que não havia exigência e sair da zona de conforto gera questionamentos.”
Assim, as reuniões pedagógicas a cada 20 dias foram intensificadas, com metas e iniciativas a serem cumpridas. Na Ulisses Cuiabano, há treinamentos semanais para os professores usarem as plataformas digitais.
“Resolvemos recentemente fazer avaliações no Google Forms para economizar com papel e impressão e foi um chororô: os professores achavam que era muito difícil e não saberiam fazer”, diz Gerson de Souza, coordenador da escola. “Agora, eu só vejo as pessoas elogiando a agilidade porque elas perceberam que não terão de corrigir as provas inteiras já que, nas questões de múltipla escolha, os resultados saem sozinhos. O que gera o preconceito é o desconhecimento.”
Incentivo
Para estimular o engajamento dos educadores, a remuneração também foi reestruturada. “O governo cobra muito, mas muito mais mesmo, mas também ganhamos mais”, afirma Rejane. “Tanto que temos muitos professores de fora do Estado vindo para cá, atraídos pelo salário.” É o caso da coordenadora da Elmaz Gattas, Veslaine Gonçalves, que veio de Goiás pela remuneração maior.
Rejane havia sido diretora de escola anteriormente, mas desistiu da vaga porque não compensava financeiramente. Agora, o processo de seleção para os cargos de gestão é bastante disputado. “O meu salário mesmo, com as gratificações, fica a coisa mais linda do mundo”, diz ela. “Ele dobra.”
Com a readequação do orçamento para educação, a secretaria conseguiu alocar verbas à infraestrutura das escolas. Assim, 120 unidades estão sendo reformadas, com investimentos de R$ 268 milhões. Na Elmaz Gattas, visitada pela reportagem, tapumes cobriam metade do terreno e os alunos seriam transferidos temporariamente para um prédio alugado, durante a ampliação. Na volta, a ideia é que TVs de 60 polegadas sejam instaladas em todas as salas para ajudar o uso das ferramentas interativas. Algumas escolas já passaram por esse processo.
O fornecimento de materiais permeia as políticas integradas de educação. Os professores foram os primeiros a receber verba pública para a compra de computadores e uso de internet, ainda durante a pandemia. As escolas passaram a contar com chromebooks, uma espécie de notebook que roda sem software proprietário, que são agendados para uso em sala de aula.
Já os alunos do primeiro ano do ensino médio passaram a ter à disposição um chromebook e internet para cada um – e aí há um exemplo claro do desafio enfrentado pelos educadores. “Os alunos gostam mesmo é do TikTok”, afirma Aline. “Agora, criar a cultura de usar o computador como aprendizado, não é brincadeira.”
Isso porque a cessão do equipamento e da internet está condicionada a duas horas diárias de exercícios a serem feitos no contraturno. Na Ulisses Cuiabano, por exemplo, havia 100 chromebooks à disposição dos alunos. A adesão, num primeiro momento, foi de apenas 30 deles. Mesmo com vários esforços, ainda hoje, 20 alunos não quiseram aderir ao sistema.
A realidade social também pesa. Durante a visita da reportagem nas duas escolas – que estão entre as melhores do Estado -, crianças fizeram com as mãos o C e o V, símbolo do Comando Vermelho, diversas vezes, assim que viam o fotógrafo levantando a câmera.
A situação não é ignorada pelos educadores. “Atendemos aqui crianças de regiões que têm forte presença do Comando Vermelho”, diz Aline, que pediu aos alunos pararem com o “CV” na hora da foto. “É com eles que disputamos e temos de tornar a escola muito mais interessante do que qualquer atrativo externo.”
Sorvetes e brindes
Entre as diferentes formas de engajar os alunos, principalmente nas avaliações que agora são obrigatórias e fazem parte das notas, são oferecidos pequenos prêmios – como brindes e sorvetadas. “Teve uma avaliação que a escola inteira se engajou e eu me lasquei na sorvetada”, diz Rejane, rindo. “Já prometi que os dez primeiros no Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) vão comer lanche no Burger King.”
Essa foi uma maneira de estimular a participação dos alunos e a começar a criar a cultura de avaliações. Até então, Mato Grosso tinha participação tão baixa no Saeb que não conseguia o número mínimo de alunos para fazer parte do sistema. “A avaliação é um termômetro da qualidade do aprendizado e os alunos não vinham à escola nas provas, os pais não mandavam os filhos, ninguém dava importância”, afirma Letícia Ceron, superintendente de Educação Básica da Secretaria de Educação.
“Buscamos criar o ritmo e a cultura das avaliações e andamos muito desde o ano passado.” No último teste bimestral, a adesão que superou 94% foi comemorada.
Outra forma de estímulo aos alunos foi um programa que teve como prêmio um curso de inglês na Inglaterra, dado aos melhores 100 estudantes da rede pública. Além de aulas, passagem e moradia, eles ganhavam 200 libras para gastar por semana. No próximo ano, a expectativa é que 200 sejam enviados.
Fonte: Governo MT – MT