Instituído há pouco mais de três anos, de forma conjunta pelos Conselhos Nacionais de Justiça (CNJ) e do Ministério Público (CNMP), o formulário nacional de avaliação de risco de violência doméstica e familiar contra a mulher é mais uma ferramenta que busca aprimorar o atendimento a esse público, com humanização e, ao mesmo tempo, fornecendo bases para a concessão de medidas protetivas, para encaminhamento a serviços de acompanhamento da vítima e do agressor, para criação de políticas públicas e até instrumentalizando os processos criminal e cível relativos ao caso, sempre preservando o sigilo das informações.
O formulário de risco foi tema da palestra proferida pela desembargadora e superintendente da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Evangelina Castilho, durante o Encontro Estadual sobre Medidas Protetivas de Urgência, ocorrido nesta semana, na sede do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT).
Comparando o processo judicial a uma linha de produção, a desembargadora afirmou que o preenchimento correto do formulário de risco é a primeira etapa para se chegar ao produto final, que é a condenação criminal ou a sentença cível. “O processo civil ou o processo criminal é como uma linha de produção. Ele precisa começar bem para terminar bem. Então o formulário é o primeiro ato do processo, no caso da violência doméstica e familiar”, disse.
O mecanismo de levantamento de informações sobre a violência contra a mulher pode ser preenchido pela própria vítima, mas, sua aplicação deve ser feita preferencialmente pela autoridade com quem a vítima tiver o primeiro contato após a agressão sofrida, como Polícia Civil ou Militar, por equipe do Ministério Público ou do Judiciário. São 27 perguntas que mapeiam a situação da vítima, do agressor e o histórico de violência. “Naquela primeira reclamação, em que aborda o homem autor da violência, a Polícia Militar precisa relatar esse fato com minúcias, com detalhes, com precisão, com bastante isenção e cercado de todas as versões que forem possíveis: da mulher vítima, do autor da violência, de testemunhas, se existirem. Então é preciso que esse relato seja muito bem feito”, disse a palestrante.
De acordo com a Resolução Conjunta do CNJ e CNMP nº 5, de 3 de março de 2020, o preenchimento do formulário é facultado a outras instituições públicas e privadas, que atuem no atendimento à mulher vítima de violência. Isso vale, por exemplo, para os Centros de Referências em Assistência Social (CRAS), as unidades de saúde, como explicou a desembargadora Evangelina Castilho. “Aquela mulher que busca atendimento com muita constância e não tem nenhum sintoma verdadeiro de doença, ela está pedindo é ajuda. Então o médico pode se sensibilizar e preencher esse formulário e encaminhar para a Polícia Militar”, informou a magistrada.
Castilho destacou ainda que o momento de coleta dessas informações é difícil para a vítima, mas ela deve ser conscientizada sobre a necessidade desse procedimento. “Reconheço que é um momento difícil de dor, de medo, de vergonha, de tristeza para a mulher. Mas é preciso que tanto o medo, como a vergonha, a tristeza e o próprio orgulho sejam superados para que a mulher denuncie e preencha esse formulário de forma bastante correta e integral”.
Isso porque o questionário deverá ser usado ao longo de todo o processo que suceder à denúncia com o objetivo de, inclusive, evitar a revitimização da mulher com a repetição do relato para diferentes profissionais. Por conta disso, a desembargadora Evangelina Castilho chamou a atenção também para a necessidade de que os agentes públicos responsáveis por essa abordagem estejam capacitados. “É preciso que todos estejam envolvidos nessa rede de atendimento tanto para o público interno quanto externo para que eles tenham essa visão humanizada e abrangente da violência da mulher, sem nenhum estigma, sem nenhum preconceito, sem nenhuma visão distorcida, sem revitimização e sem culpabilização da mulher. É preciso agir com sororidade, pois o caminho para o combate à violência é ajudando a vítima a compreender que pode sair do ciclo de violência”, pontuou.
A desembargadora classificou ainda o formulário nacional de avaliação de risco de violência doméstica e familiar contra a mulher como medida fundamental de proteção do Estado às vítimas, com potencial de evitar a escalada da violência e o seu resultado mais brutal, que é o feminicídio. “O formulário permite avaliar se o ato praticado pelo agressor é apenas um, se ele é um de muitos ou se é um de outros que podem vir a acontecer. Então, ele tem a importância de mapear a situação de violência contra a mulher, de prevenir a ocorrência de outros casos que possam acontecer de forma mais grave, com consequências mais desastrosas”, disse a desembargadora.
Ela detalhou que essa proteção com base nas informações colhidas poderá ser feita de várias formas. “Se ele tem arma, vai ser apreendida. Se faz uso de álcool e drogas, vamos encaminhá-lo para atendimento terapêutico. Se ele não se enquadra nesses casos mais graves, então vamos encaminhá-lo para grupos reflexivos que dão grande resultado. Em Minas Gerais, apenas 1% dos homens que participam dos grupos reflexivos voltam a reincidir em violência”, informou.
Por fim, Evangelina Castilho enfatizou o uso do formulário de risco para elaboração de políticas públicas de promoção e proteção dos direitos das mulheres e conclamou a todos os setores para que se engajem nessa missão. “Nós, do Poder Público, temos que ter uma intervenção severa e profunda não só com os autores da violência, mas também com as mulheres para que elas tenham autoestima elevada, tenham capacitação para o trabalho, independência psicológica, financeira e patrimonial”.
Participante do Encontro Estadual sobre Medida Protetiva de Urgência, o delegado Jefferson Dias Chaves, que atua na Delegacia Especializada de Delitos Contra a Pessoa Idosa (DEDCPI), classificou a palestra da desembargadora Evangelina Castilho como “fantástica” e relatou perceber na prática profissional cotidiana situações abordadas no evento. “O formulário de risco é uma ferramenta de extrema importância porque permite que qualquer pessoa que tomar conhecimento daquele inquérito policial tenha esse briefing da vítima. Isso acaba no contexto de que essa vítima não é obrigada a ter que contar toda a história novamente, sendo revitimizada. E quando acontece isso, a gente sente, vê nos olhos delas que isso magoa muito. E vai até de encontro à lei de abuso de autoridade, por isso é proibido estar revitimizando a vítima”, afirmou.
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Primeira imagem: Desembargadora do TJMG, Evangelina Castilho, profere palestra no púlpito do auditório Gervásio Leite, falando ao microfone. Ela é uma senhora idosa branca, de olhos castanhos claros, cabelo na mesma cor, curto e liso, usa uma camisa em tom pastel de amarelo, com manga comprida e bufante.
Celly Silva/ Fotos: Alair Ribeiro
Coordenadoria de Comunicação da Presidência do TJMT
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