Metade dos 1.037 assassinatos e tentativas investigados na Grande Cuiabá, pela Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), tem relação com o Comando Vermelho (CV). Em 2022, foram registradas 98 execuções na Capital e em Várzea Grande, número 20% maior do que no ano anterior, que registrou 81 mortes. A principal motivação dos crimes é a disputa territorial que se consagra mediante o uso da força, a partir de crimes cruéis, afirma o delegado Caio Fernando Albuquerque.
Existem algumas características específicas das mortes relacionadas às organizações criminosas, entre elas o fato de que os corpos das vítimas, muitas vezes, não são localizados. “Os criminosos acreditam que sem corpo não há crime, mas isso não é verdade. Mesmo sendo uma investigação mais difícil, ela ocorre e ao final a autoria fica identificada e materializada”.
Cita o caso recente da execução dos 4 trabalhadores maranhenses, sequestrados, torturados e mortos pelo Tribunal do Crime da facção, crime ocorrido em maio de 2021. Somente em janeiro deste ano 8 envolvidos diretamente nas execuções e ocultação dos cadáveres foram presos, com a deflagração da operação Kalypto.
Nos crimes brutais envolvendo a facção criminosa a Polícia Civil não conta com a ajuda de testemunhas e nem mesmo com denúncias anônimas, apesar de garantido o sigilo ao denunciante. As informações inexistem pelo terror imposto pelos assassinos. Desta forma, a investigação depende unicamente das provas técnicas obtidas.
A facção, que hoje predomina em todas as regiões do Estado com número incontável de membros faccionados dentro e fora das unidades prisionais, foi alvo da primeira operação policial em 2014, quando investigações da operação Grená apontavam 400 membros liderados por Sandro da Silva Rabelo, o “Sandro Louco”. Ele foi o responsável por trazer do CV do Rio de Janeiro as primeiras diretrizes para implantar o CV em Mato Grosso. Quase 10 anos depois, Sandro Louco ainda é apontado como o principal líder da facção, apesar de estar preso no raio mais seguro da Penitenciária Central do Estado (PCE).
De acordo com Caio Albuquerque, em Mato Grosso a organização criminosa adotou o sistema de milícia, que nos grandes centros do país, como o Rio de Janeiro, está sob o comando de policiais ou ex-policiais. O CV hoje é responsável por impor suas regras à comunidade local, determinando quem vende a droga em cada bairro e até de quem o usuário deve comprar. Caio cita, inclusive, que um dos maiores centros comerciais de Cuiabá está à mercê da facção, que controla a venda de cigarros no local. Quem não acatar a ordem da facção morre.
‘Ponto fora da curva’
O delegado afirma que Várzea Grande hoje é um ponto fora da curva e a situação do município, que tem um terço da população da Capital, é muito mais crítica em relação ao domínio da facção. O delegado salienta que para reverter a situação na cidade é preciso criar uma força-tarefa urgente com as Polícias Civil e Militar, Ministério Público e Poder Judiciário que, por meio da decretação da prisão dos criminosos, que fiquem segregados e tragam tranquilidade para a população.
O sistema de milícia do CV também assumiu a segurança privada no Estado, já que comerciantes são intimados a pagar pela suposta “taxa de segurança” aos faccionados, para que os comércios não sejam alvo de ladrões. O pagamento não é opcional, pois de forma intimidadora a população paga pois teme ser alvo dos assassinos da facção, que atuam como os “disciplinas”, enfatiza o delegado.
Para ser o próximo alvo do CV basta não acatar as regras do estatuto da facção, entre elas as cobranças, ou mesmo aos olhos dos criminosos ou suspeitas de se tratar de membro de facção rival tentando invadir o território. No caso de pessoas vindas de São Paulo ou da região Sudeste, imediatamente tornam-se suspeitas de integrar o principal oponente, o Primeiro Comando da Capital (PCC). No caso dos 4 maranhenses mortos, 3 da mesma família, a suspeita do CV é que eles eram de uma facção do norte do país, fato nunca comprovado.
Força-tarefa
Diante do atual quadro, Caio Albuquerque vê que somente uma grande forçatarefa de todas as forças da segurança pode combater a organização criminosa. Cita que entre 2019 e 2022 a DHPP manteve um cartório com uma equipe exclusiva para a investigação de crimes relacionados à facção. Os resultados foram excelentes, com o esclarecimento de diversos crimes com prisões de líderes que continuam atrás das grades. Mas em decorrência de um menor efetivo na unidade, o núcleo de investigação foi desativado e os inquéritos distribuídos entre todos os delegados. Mas somente na equipe comandada por Caio, todos os 100 inquéritos em investigação estão relacionados à facção.
O reforço na investigação de crimes de homicídio promovidos por faccionados é fundamental inclusive nos municípios do interior, já que as “armas andam”, e uma mesma arma usada pelo CV para os crimes na Capital pode ser vendida e usada no interior, como foi constatado recentemente com a apreensão de uma delas em Tangará da Serra, em crime praticado na cidade.
O delegado opina que o reforço na investigação dos homicídios praticados a mando da facção, que resultem na prisão e condenação de seus integrantes, é a forma de enfraquecer sua estrutura. Com o aumento das penas por crime hediondo, em crimes de torturas, homicídios e ocultação de cadáver, pode superar os 70 anos, como no caso dos maranhenses mortos, sendo que metade da pena deverá ser cumprida em regime fechado.
Fonte: Folha Max