Os deputados da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados ouviram nesta sexta-feira (7) médicos e especialistas favoráveis e contrários ao tratamento precoce contra a Covid-19. Mesmo tendo como base trabalhos científicos e a prática clínica, a discussão teve alguns momentos de tensão.
Apesar de divergirem sobre como prevenir e cuidar da doença, todos concordaram que é necessário despolitizar o atendimento de saúde e privilegiar a liberdade para que os médicos prescrevam o atendimento e os pacientes tenham o direito de escolher. Todos também se mostraram preocupados com a automedicação e com a prescrição de doses exageradas ou em momentos errados da evolução da doença.
O deputado Giovani Cherini (PL-RS), que solicitou a audiência pública, destacou a importância de ouvir os médicos que “estão no pé da cama”. Ele lamentou que os defensores do tratamento precoce estejam sendo censurados pela mídia e pelas redes sociais e que sejam tratados como “bandidos ou fake news”.
“É como uma disputa de time de futebol. Não defendo automedicação ou kit Covid. Hoje estamos proibidos de debater o assunto porque temos a ousadia de buscar o conhecimento de médicos e cientistas que estão no pé da cama”, afirmou Cherini.
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) destacou que convidou pessoas com opiniões diferentes para participar do debate, e lamentou a desproporção entre as posições a respeito do tratamento precoce. “Em determinado momento, a arrogância substituiu o debate de conteúdo. Também acho que lugar de debater tratamento não é na política. Muito menos no Palácio do Planalto, de onde emanam imposições aos ministros, que saíram porque não tinham autonomia para prescrever protocolos”, atacou.
A deputada, que também é médica, demonstrou preocupação com a automedicação e com questionamentos à eficácia da vacina contra Covid-19. “Não acho que devamos proibir o médico de prescrever o que queira. O problema é que, quando falam que um tratamento funciona, e não precisa de receita para comprar na farmácia, as pessoas se automedicam. No desespero as pessoas compram e tomam em doses absurdas.”
Diálogo
A deputada Bia Kicis (PSL-DF) apontou para a necessidade de ouvir os dois lados sobre a questão. “Precisa parar com a insensatez de dizer que quem defende o tratamento precoce é negacionista ou uma pessoa avessa à ciência”, comentou. “Como parlamentar, não sou médica, não cabe a mim dizer se um remédio é válido ou não. Mas cabe a mim garantir a liberdade de expressão e impedir que obstruam o trabalho dos médicos. Vacina não é tratamento. Quem defende vacina como única solução politiza o tema de forma vil.”
O deputado Alexandre Padilha (PT-SP) , médico e ex-ministro da Saúde, pediu mais diálogo e respeito para recuperar a saúde do País. Ele disse não questionar a autonomia de prescrição de médicos, mas as decisões de gastos públicos. “A prefeitura ou governo de estado assume gastar dinheiro público para comprar medicamentos que não têm evidências robustas de eficácia, mas evidências de agressão ao corpo humano e riscos à saúde das pessoas”, alertou.
Ivermectina
Os médicos Eduardo Leite e Lucy Kerr destacaram a baixa estatística de casos de mortes de Covid-19 em países da África, que adotaram tratamento imediato a base de drogas conhecidas e de baixo custo. “Dizer para um paciente ir para casa e voltar ao hospital só se piorar contraria o princípio básico da medicina”, lamentou Eduardo Leite.
“Deixem os médicos prescreverem o que eles acreditam. Eles têm responsabilidade sobre isso. E também deixem os médicos que não querem prescrever, e eles vão responder por isso. Cabe ao médico decidir o que fazer, não a um prefeito, governador, presidente ou ministro. Cabe ao paciente aceitar ou não”, encerrou Leite.
Lucy Kerr citou referências científicas a favor do uso da ivermectina no tratamento da Covid-19, com indícios de redução na mortalidade, no tempo de recuperação clínica e no risco de contrair a doença. “A ivermectina é uma droga segura e eficaz. Pode ser usada sem qualquer perigo na vasta maioria dos pacientes”, defendeu. “A África foi e continua poupada da Covid-19. A Índia havia parado o tratamento com ivermectina e agora voltou atrás com o agravamento da pandemia”, completou.
A médica Raissa Soares afirmou que o tratamento profilático de milhares de pacientes em Porto Seguro (BA), com base na ivermectina, não mostrou evidência de insuficiência hepática e disse ser antiético fazer grupo de controle em pesquisas e não tratar pacientes da doença. “Nós que tratamos a Covid não estamos preocupados em gerar produção científica para contestar os defensores da evidência.”
Tratamento correto
O médico Paulo Porto chamou atenção para casos de pacientes assintomáticos que não se trataram e depois desenvolveram sequelas respiratórias e cardíacas. “Devemos aplicar o tratamento na hora correta, se tratar o paciente na hora errada ele vai morrer. Não dá para brincar com esta doença, dar novalgina e mandar para casa”, alertou. “Não se trata de vacina ou tratamento. Se trata de vacina e tratamento e distanciamento, higiene, máscara, álcool em gel.”
O médico Francisco Cardoso alertou para o uso de corticóides na primeira semana da doença e lamentou a falta de tratamento precoce adequado. “Quem usa tratamento precoce morre muito menos. Falam de cloroquina e ivermectina, mas não falam para parar de aplicar corticóides na primeira semana”, lamentou. Ele também disse ser mentirosa a afirmação de que a ivermectina provoca hepatite. “O que causa é paracetamol, que vem sendo prescrito sem nenhum controle.”
A médica Roberta Lacerda denunciou impedimentos e constrangimentos para pedidos de estudos clínicos sobre ivermectina no Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e citou estudo que aponta 62% de redução da mortalidade com este tratamento.
Ela também demosntrou preocupação com a automedicação. “Se os pacientes se automedicam, é porque não existe uma política de saúde pública dentro do SUS que integre a aborde precocemente o paciente”, argumentou.
Contradição
Duas debatedoras apontaram evidências e argumentos contrários ao tratamento precoce. A médica cardiologista e professora-adjunta da Faculdade de Medicina Rio Preto Lília Nigro Maia questionou a qualidade das publicações e pesquisas que defendem o tratamento precoce.
“Na medida em que a doença começou, surgiu uma enxurrada de estudos. Passamos dos 400 mil estudos publicados, mas 90% das publicações são de baixa qualidade e sem aplicação clínica imediata”, alertou.
Segundo Lília Nigro Maia, estudos feitos com critérios de confiabilidade não mostraram benefícios da cloroquina e não há resultados para estudos sobre a ivermectina.
Os riscos do chamado “kit Covid” seriam aplicar medicamentos a pacientes de baixo risco, utilizar remédios de eficácia não comprovada, incentivar o uso generalizado e causar interações indesejadas com outros fármacos. “Muitos pacientes morreram com a barriga cheia de ivermectina e cloroquina”, alertou.
A hepatologista e professora da Unicamp Ilka Boin disse que não é contra a prescrição, mas alertou para o uso abusivo de medicamentos. “Uma dosagem maior de ivermectina pode gerar efeitos colaterais no fígado”, advertiu.
Ilka Boin também argumentou que o número baixo de casos na África e na Índia não se deve ao uso da ivermectina, mas à baixa notificação, já que muitos pacientes são assintomáticos e não são testados.
Outra explicação, segundo ela, é a expectativa de vida menor da população, mais jovem em comparação com outros países, enquanto os casos de morte por Covid-19 são maiores em pessoas mais idosas.
A professora da Unicamp também refutou os argumentos de que o kit Covid é mais barato do que outros tratamentos. “São R$ 105 por paciente”, calculou.
Reportagem – Francisco Brandão
Edição – Natalia Doederlein