A morte de um motorista, atingido por choque elétrico durante o descarregamento do caminhão basculante na indústria de calcário onde prestava serviço, levou a de Justiça do Trabalho em Mato Grosso a condenar uma empresa de transportes e a tomadora dos serviços pelos danos causados com o acidente de trabalho.
A decisão, proferida na Vara do Trabalho de Diamantino, garante pensão mensal às duas filhas do trabalhador, que perderam o pai ainda menores de idade, além de compensação de 300 mil reais pelo dano moral.
O acidente aconteceu no momento em que o motorista estava no pátio da mineradora para carregar o caminhão de calcário e, ao fazer o basculamento de uma das caçambas do veículo, ergueu a carroceria e tocou a fiação de alta tensão que atravessava o local.
A ação judicial foi proposta pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que pediu a condenação das duas empresas sob o argumento de que o acidente ocorreu porque ambas descumpriram as normas de segurança do trabalho. A transportadora, que era a empregadora do motorista, por não dar os treinamentos e orientações exigidos, em especial quanto aos riscos elétricos, e a indústria de calcário, em cuja sede o motorista realizava carregamentos, por não fazer a sinalização dos fios de alta tensão e não impedir o acesso a áreas de risco.
A transportadora se defendeu dizendo que o trabalhador tinha ampla experiência na função de motorista, conhecia os procedimentos de basculamento, além de que é público o conhecimento do risco de choque ao contato com fiação elétrica. Portanto, não haveria o dever de indenizar, já que o evento trágico se deu por culpa exclusiva do próprio trabalhador, mesmo argumento sustentado também pela indústria de calcário.
Mas, ao decidir a questão, a juíza Rafaela Pantarotto concluiu que ambas são responsáveis pelos danos decorrentes do acidente do trabalho por se tratar de um caso de responsabilidade objetiva, quando o dever de indenizar não depende da culpa do ofensor em razão da atividade de risco desenvolvida, que por sua própria natureza deixa os trabalhadores expostos a uma probabilidade maior de dano que os demais de outras áreas. É o caso tanto da empregadora quanto da empresa contratante dos serviços, uma vez que as duas exploram atividade de risco: o transporte de cargas e a mineração.
A juíza registrou, no entanto, que mesmo sob o ponto de vista da responsabilidade subjetiva, a condenação das empresas se manteria pelo descumprimento das normas de segurança do trabalho. Ficou provado que o motorista não recebeu treinamento sobre os riscos, especificamente no desenvolvimento de sua atividade, e durante a apuração das condições do acidente, o auditor fiscal do trabalho constatou a falta de placas indicativas da alta tensão no pátio de manobras.
A sentença destaca ainda que as normas regulamentadoras dispõem claramente quanto à necessidade de implementar plano de trânsito, sinalização de segurança e delimitação de áreas de risco. O plano deve conter, salientou a magistrada, as regras de movimentação e distâncias mínimas entre máquinas, equipamentos e veículos.
“A configuração do local em que ocorreu o acidente de trabalho não permitiu que o trabalhador se atentasse a tal risco, eis que mal sinalizado, sem plano de trânsito que o levasse a local específico para basculamento, bem assim sem impedimento de acesso às proximidades da rede de alta tensão, tudo isso aliado à ausência de treinamento específico fornecido pela empregadora”, enumera a juíza.
Quanto à declaração de responsabilidade civil da tomadora dos serviços, a magistrada reforçou que “(…) certo é que a 2ª ré – Indústria de Calcário Caçapava Ltda, responsável pelo local onde se deu o acidente de trabalho e vinculada contratualmente à primeira reclamada, possui por dever constitucional e infraconstitucional, manter o meio ambiente laboral equilibrado, portanto, seguro e isento de perigo de dano, independentemente de existência de liame empregatício com o trabalhador vitimado (exegese do artigo 225, caput, da CF/88), já que responde civilmente pela prática do ilícito e consequente dano causado ao trabalhador, nos termos dos artigos 186 e 927, ambos do Código Civil (…)”
Pensão e dano moral
Diante desse contexto, a juíza concluiu que as duas empresas devem arcar solidariamente com o pagamento de indenização à família do motorista. Pelo dano moral, fixou o montante de 300 mil reais, a ser dividido pelas duas filhas do trabalhador. Por serem menores de idade, o valor deverá ser depositado em caderneta de poupança para saque quando atingirem a maioridade civil, “aquisição de imóvel destinado à residência das menores e de sua família ou para dispêndio necessário à subsistência e educação das menores”.
As filhas do trabalhador vitimado também irão receber pensão mensal correspondente a dois terços do salário do pai, com a inclusão da despesa na folha de pagamento da empresa de transportes. A obrigação permanecerá até que as menores completem 25 anos de idade. A magistrada autorizou, no entanto, a dedução no cálculo das pensões vencidas do montante recebido por elas do seguro de vida privado, custeado pela empresa.
Litigância de má-fé
Por fim, a juíza condenou também ambas as empresas a pagarem multa por litigância de má-fé, em 2% sobre o valor atualizado da causa. O valor será destinado às filhas do trabalhador.
A condenação deveu-se à apresentação, pela indústria de calcário, de um documento produzido pela transportadora com o intuito de demonstrar que o motorista tinha sido informado sobre o procedimento de basculamento junto à rede elétrica. Entretanto, entre outros indícios de falsidade, a assinatura não condiz com a rubrica do trabalhador falecido. “(…) claramente não se trata da assinatura do trabalhador, evidenciando claro propósito das requeridas em induzir este juízo a erro”, concluiu a magistrada.