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Reflexões: abordagem policial conforme classe social é tema de palestra do ministro Rogério Schietti

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Abordagem policial conforme a classe social foi o tema da oitava palestra do “V Encontro do Sistema de Justiça Criminal de Mato Grosso – Efetividade da jurisdição penal”, com o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogério Schietti Cruz.
 
Logo no início, Schietti falou que estamos avançando em relação ao que se pode esperar de um processo penal que corresponda a um programa mínimo previsto na Constituição Federal de 1988, mas que ainda permanecemos muito distantes do modelo ideal, pois há apenas o cumprimento de regras mínimas.
 
Conforme o ministro, boa parte dos processos em que magistrados e promotores trabalham é herdado de outras instituições, como a Polícia Militar e a Polícia Civil. “Vamos julgar a partir do depoimento feito na delegacia, sem saber se o conteúdo corresponde ao que de fato aconteceu. (…) Natural que temos que olhar para o inquérito com uma certa desconfiança. O que fazemos com ele não se difere do que fazíamos há 50 anos. O grau de confiabilidade dos testemunhos não pode nos levar a uma garantia de que estamos julgando bem”, assinalou.
 
Dentre diversos exemplos citados, Schietti salientou que o STJ tem buscado maior rigor na atividade investigatória do Estado, seja da Polícia Militar no trato com as pessoas nas ruas, ou da Polícia Civil, na realização dos atos do inquérito policial. Ele destacou as estatísticas que, por exemplo, indicam forte componente racial no reconhecimento de acusados de roubo. “A abordagem policial revela traços de racismo estrutural que nos induz a práticas muitas vezes inconscientes.”
 
O ministro também apresentou dados sobre a violência que ocorre em nosso país. “Apesar de sermos 2,7% da população mundial, 20,4% dos homicídios são cometidos aqui. É um em cada cinco homicídios. Somos o oitavo país mais violento do mundo. Entre 2009 e 2019, as taxas de homicídio diminuíram 20%, entre negros a redução foi de 15% e não negros, 30%. Das 6.145 mortes decorrente de intervenções policiais em 2021, 84% das vítimas eram negras. (…) Negros são as pessoas que mais morrem em razão das ações policiais no Brasil, independente da concentração de negros. Na cidade de Salvador, em 2021, 220 pessoas foram mortas pela Polícia. Só uma era branca.”
 
Schietti citou exemplos que abordagens policiais, como buscas pessoais, realizadas de maneira irregular, o que tem levado o STJ a anular muitos processos. “Nas ruas as pessoas são colocadas em posições nada agradáveis, e de maneira vexatória. Aí vem a questão? Quem são as pessoas abordadas? São ações praticadas na periferia, assim como as invasões de domicílio. Como é nítida a distribuição da força policial em
 
certos bairros. Isso é óbvio, mas precisamos trazer à tona porque estamos aceitando que uma pessoa, em razão da cor de sua pele, seja alvo de abordagem policial”, assinalou.
 
“Nós somos acusados de estarmos dificultando o trabalho da Polícia, de estarmos contra o trabalho da Polícia, quando, na verdade, o que se pretende é qualificar o trabalho da Polícia, é qualificar o trabalho da Polícia, do Ministério Público e do Judiciário, porque nós estamos, como funcionários públicos, prestando um serviço de alta relevância. E assim como nós queremos ser bem atendidos no hospital, nós queremos ser bem transportados em um coletivo, queremos uma boa educação para os nossos filhos, nós queremos uma justiça de boa qualidade. E não adianta nós, juízes ou promotores, que atuamos em gabinetes, no fórum, com ar-condicionado, fazermos um bom trabalho se nós estamos validando o que é feito antes de uma maneira absolutamente desconforme com o mínimo de racionalidade, de objetividade e de confiabilidade.”
 
O palestrante afirmou que o componente racial marca territorialmente cidadãos como pessoas alvo da ação policial, que são sujeitas a serem consideradas suspeitas porque estão malvestidas ou porque estão de boné, ou porque estão na periferia, ou porque estão em locais onde se praticam crimes. “Pessoas que saem de casa sabendo que poderão terminar o dia numa cadeia apenas porque são negras”, pontuou.
 
Atuando como debatedor, o promotor de Justiça Luís Fernando Pipino (MP-MT) fez um contraponto ao palestrante e citou o exemplo de Sorriso, onde o mapeamento dos bairros com maior incidência de prisões relacionadas às drogas culminou na centralização de forças policiais de fiscalização em determinadas regiões, e que isso provocou a redução do número de infrações nessas áreas.
 
Ele assinalou ainda que o grande desafio de todos os operadores de direitos responsáveis pela persecução penal e no enfrentamento também do crime é a definição do que seriam as fundadas suspeitas nas ações policiais. “A lei traz expressões distintas, quer se refira à busca pessoal, quer se refira à busca domiciliar, mas é a justa causa, assim compreendida. É uma definição que não encontra respaldo nem na lei, tampouco doutrina, nem na jurisprudência, já que é um conceito vago, impreciso e indeterminado.”
 
Luiz Pipino também assinalou que a segurança pública também é dever do Estado, direito de todos, e que deve também ser levada em consideração na análise desses elementos subjetivos. “O bem jurídico tratado pela norma penal, e aqui nós vamos nos referir mais ao tráfico de drogas, porque essas abordagens estão intimamente vinculadas numa maior incidência nos delitos relacionados à distribuição lucrativa do entorpecente, de modo que o bem jurídico de saúde pública também não pode estar demasiadamente exposto nem desprotegido, sob pena de
 
colocar em xeque a própria preservação da ordem e o estímulo reiterado de infrações criminais.”
 
Encerrando o painel, o presidente da Escola Superior da Advocacia do Estado de Mato Grosso (ESA-MT), Giovane Santin, afirmou que no Brasil, país onde a cor da pele e a pobreza se misturam, “o povo preto e de baixo estado social sofre uma intervenção estatal brutal no sentido de repressão pelo poder penal.”
 
Em sua fala, ele listou o perfil das pessoas condenadas por tráfico de drogas no Estado de Mato Grosso: em sua maioria, homens, jovens, pretos, de baixa escolaridade e de renda mensal inferior a dois salários-mínimos. “Nós estamos realizando uma criminalização do povo preto e do povo pobre.”
 
O presidente da mesa foi o desembargador Luiz Ferreira da Silva.
 
Lígia Saito /Fotos: Ednilson Aguiar 
Assessoria de Comunicação 
Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso (Esmagis-MT)
 

Fonte: Tribunal de Justiça de MT – MT

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