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Conselheira Salise Sanchotene aborda controle de convencionalidade no Sistema Criminal em palestra

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Controle de Convencionalidade no Sistema de Justiça Criminal foi o tema do terceiro painel do V Encontro do Sistema de Justiça Criminal de Mato Grosso – Efetividade da Jurisdição Penal, realizado entre os dias 20 e 22 de setembro, em Chapada dos Guimarães. O tema foi apresentado pela conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Salise Monteiro Sanchotene.
 
Responsável pela política da participação feminina e também do assédio, ela apontou que é impossível trabalhar essa política sem questionar a violência doméstica em outra dimensão. Destacou, na ocasião, que “é necessário falar sim sobre controle de convencionalidade porque temos visto no CNJ a Resolução 123, que preza pela observância dos tratados e convenções internacionais e recomenda aos magistrados e magistradas a observância desses diplomas. Existem diversas convenções internacionais inseridas no sistema global de proteção dos Direitos Humanos, centralizadas nas Organizações das Nações Unidas e em âmbito regional junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos que nós temos que observar.”
 
A desembargadora fez um recorte para a questão da violência contra a mulher e ressaltou que a Corte Interamericana de Direitos Humanos analisou o Brasil e fez vários relatórios, sendo o último em 2021. O documento afirma que a discriminação de mulheres no país é perpetuada, entretanto algumas ações foram consideradas positivas, como a adoção da Lei Maria da Penha, considerada um grande avanço nesta luta, e a Casa da Mulher Brasileira. Também foram registrados como pontos positivos a introdução do Conselho de Feminicídio em nossa legislação, a obrigação do agressor a ressarcir o Sistema Único de Saúde com os custos gerados em razão das agressões às vítimas de violência doméstica, a implementação da Lei das Delegacias de Defesa da Mulher, dentre outros.
 
“De fato, o relatório da Corte registra que a violência contra a mulher apresenta crimes dramáticos e tidos como alarmantes, como os assassinatos de mulheres por questão de gênero, vendo como obstáculos para as mulheres pontos como o acesso à Justiça. Aí temos que meditar sobre o quanto nós contribuímos para isso, e as medidas de proteção que são pleiteadas e muitas vezes levam tempo para serem deferidas até que o pior acontece. O relatório também diz que temos, dentro do sistema, agentes estatais com atitudes estereotipadas e discriminatórias. Como entra então o controle de convencionalidade interno em relação aos apontamentos da Corte? Temos que entender que deve ser feito o controle em relação a qualquer acordo ou convenção da qual o Brasil é signatário, mas também em relações às decisões tanto da Corte Interamericana de Direitos Humanos quanto dos diplomas europeus que o Brasil também assinou. Temos que atender ao sistema global e ainda o regional de proteção”, afirmou.
 
Conforme a palestrante, o Brasil tem sido duramente condenado e já soma 12 condenações. Dentre as responsabilizações, estão as violações do direito fundamental de acesso à justiça em caso de discriminação de gênero.
 
Como exemplo, a conselheira Salise relembrou o caso Favela Nova Brasília contra o Brasil, ocorrido em 1994, quando 13 pessoas foram assassinadas em uma incursão da polícia no Morro do Alemão, no Rio de Janeiro, e três mulheres foram torturadas e violentadas por agentes policiais. A corte recebeu a denúncia em 1996 e esse caso durou 16 anos. O Brasil foi intimado e recebeu prazo para atuar, porém, nada fez. Em 2017 o país foi condenado. Na ocasião, a Corte Interamericana reconheceu que o estupro de uma mulher por agente do Estado é gravíssimo, destacou que houve falha na apuração, pois os estupros não foram investigados, os depoimentos das mulheres não foram tomados na condição de vítimas, mas sim como testemunhas dos homicídios. Nenhuma das mulheres recebeu atendimento médico, sanitário ou psicológico adequado, porque o Ministério Público só denunciou os homicídios e não os estupros.
 
Ela citou ainda a condenação que o Brasil sofreu em 2021, referente ao caso de uma estudante negra de periferia, chamada Márcia Barbosa, que se envolveu sexualmente com um deputado estadual da Paraíba e foi morta por ele em 1998. Até 2001 não foi possível condenar o político porque era necessária autorização da Assembleia Legislativa Estadual. Ele foi condenado em 2007, mas morreu em 2008 sem cumprir a pena. “A decisão registrou que houve impedimento da família em acessar o processo, não foi cumprida uma série de atos exigidos em uma investigação, o homicídio não foi considerado em razão de gênero, mesmo sendo pedido pelo Ministério Público Federal. A vítima foi estereotipada, ou seja, houve a intenção de desvalorizar a vítima por meio da neutralização dos valores, porque durante toda a investigação o comportamento de Márcia era exposto pela defesa sem que o Judiciário fizesse algo para impedir, medida que transformou a vítima em uma ‘merecedora’ do que tinha acontecido. Ela foi descrita como prostituta, o autor do homicídio como um senhor de família que se deixou levar pelos encantos de uma jovem e que em um momento de raiva teria cometido um erro.”
 
A presidente do painel foi a vice-presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, desembargadora Maria Erotides Kneip. Ela ressaltou que pôde acompanhar o julgamento do último exemplo e inclusive conhece o lugar de onde a vítima Márcia Barbosa veio. “Sua família é humilde, sendo o pai motorista de aplicativo e a mãe merendeira de escola municipal. Márcia era uma menina magrinha, com corpo miúdo de adolescente, praticamente sem seios. O assassino, um senhor eleito cinco vezes deputado estadual na Paraíba e que, mesmo condenado pelo tribunal do júri a uma pena de 16 anos, quando morreu foi velado na Assembleia Legislativa com pompas. Tive vontade de vomitar na época em que soube. Vejam a imprescindibilidade do controle de convencionalidade desde a instrução”, ressaltou.
 
A primeira mediadora, juíza Amini Haddad Campos, asseverou que a semiótica dá maior segurança para entender até que ponto há efetiva definição com relação ao acesso à justiça. “É necessário entender esse conceito de política de Estado, onde há o compromisso internacional do Brasil com relação a essa normatividade de Direitos Humanos. Quando olho para uma convenção internacional de Direitos Humanos, e, portanto, seus efeitos em que o Brasil tem se apresentando como signatário, eu tenho que olhar e entender qual o limite e a expressão normativos dela? Trazendo um pouquinho da semiótica, a gente pode entender que há um plano de certas figuras referenciais. Podemos aqui trazer alguma orientação com relação ao local que está essa legislação, que âmbito ela cumpre dentro da normatividade sistêmica, com relações e sentidos. Posso entender também que tenho limites referenciais, que a gente fala de índices que podem de fatos elucidar qual é esse tema proposto por essa convenção e o objetivo dessa normatividade.”
 
Já o segundo mediador, professor da Universidade Federal de Mato Grosso, Valério Mazzuoli, registrou que trouxe a discussão desse tema em 2006, quando ninguém no país falava em controle de convencionalidade. “Atuo nesse âmbito como advogado há 25 anos e fico feliz de ver esse tema sendo debatido. Em 1999, quando fiz o primeiro livro sobre isso, só faltavam me chamar de doido, quando eu propunha que não deveria haver prisão civil por dívida porque temos uma convenção internacional que impede, mas a Constituição permite. Então, eu tenho um conflito entre o tratado e uma norma constitucional. Muito tempo depois o Brasil passou a entender que a Constituição não é o último paradigma de controle da produção normativa doméstica. Ela é uma das etapas de controle”, salientou.
 
O Encontro do Sistema de Justiça Criminal ocorre anualmente. Esta é a quinta edição e tem como tema ‘Efetividade da Jurisdição Penal’. Ele é realizado no Parque Nacional de Chapada dos Guimarães entre dos dias 20 e 22 de setembro no formato híbido.
 
O evento é uma parceria entre o Poder Judiciário de Mato Grosso, Ministério Público e Ordem dos Advogados do Brasil por meio das escolas judiciais e associativas dessas instituições.
 
Keila Maressa 
Assessoria de Comunicação 
Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso (Esmagis-MT)
 

Fonte: Tribunal de Justiça de MT – MT

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