O Ministério Público de Mato Grosso ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Tribunal de Justiça arguindo a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Estadual nº 7.263, de 27 de março de 2000 – a chamada Lei do Fethab (Fundo Estadual de Transporte e Habitação) – e do Decreto Estadual nº 1.261, de 30 de março de 2000, que preveem o pagamento de contribuições a várias entidades do agronegócio mato-grossense, escolhidas sem a realização de quaisquer procedimentos licitatórios, por contribuintes que optarem pelo diferimento (mecanismo de substituição tributária) quando do recolhimento do ICMS. A obtenção do benefício da substituição tributária pelos contribuintes está condicionada, entre outras exigências, ao recolhimento de percentuais variados dos valores a serem recolhidos para as entidades beneficiárias.
Pelas normas legais questionadas pelo MPMT, percentuais diferenciados da contribuição paga pelos contribuintes optantes pelo diferimento ao Fethab são direcionados às entidades e, mais ainda, recolhidos pela Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz) por meio do seu sistema arrecadatório e repassados aos beneficiários, o que configuraria o uso ilegal e inconstitucional de um ente público.
De acordo com o Decreto Estadual nº 1.261, que normatiza a Lei Estadual nº 7.263 (Lei do Fethab), as entidades beneficiadas pelos recursos são as seguintes: Instituto Mato-grossense do Agronegócio – IAGRO, Instituto da Pecuária de Corte Mato-grossense – INPECMT, Instituto da Madeira do Estado de Mato Grosso – IMAD, Instituto Mato-grossense do Algodão – IMA/MT e Instituto Mato-grossense do Feijão, Pulses, Grãos Especiais e Irrigação – IMAFIR/MT.
Dados disponíveis na página do Convênio de Arrecadação n° 002/2019, firmado entre a Sefaz e o Iagro (Instituto Mato-grossense do Agronegócio), referentes ao período de dezembro de 2020 e junho de 2021, demonstram que foram repassados pela referida secretaria à entidade os valores de R$ 545.747,00 (dezembro), R$ 19.036.242,51 (março), R$ 19.525.297,58 (abril), R$ 10.171.958,00 (maio), R$ 6.049.415,53 (junho), num total de R$ 55.328.660,62 (cinquenta e cinco milhões, trezentos e vinte e oito mil, seiscentos e sessenta reais e sessenta e dois centavos). Isto, apenas para o Iagro.
Na ADI assinada pelo procurador-geral de Justiça, José Antônio Borges Pereira, o MP destaca que o Decreto nº 1.261 condiciona a concessão de diferimento (benefício da substituição tributária) do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS aos contribuintes ao cumprimento de determinados requisitos, dentre os quais, “o recolhimento de contribuição a determinados institutos privados representantes de setores da economia estadual, o que é inconstitucional, ferindo os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência e ao dever de realização de licitação.” Tais princípios estão estabelecidos no Artigo 37 da Constituição Federal e no artigo 10 e ao artigo 129, inciso X. Ou seja, o benefício afronta tanto a Carta Magna federal quanto a estadual.
“É de bom alvitre acentuar que o ponto nodal desta Ação repousa no fato de que associações específicas se valeram de seu poderio econômico e político e fizeram do Estado seu escritório de cobranças, distorcendo a finalidade pública que deve imperar no uso de bens e serviços do poder público, em nítida violação de normas constitucionais. Entidades privadas devem estabelecer suas obrigações, inclusive contribuições, por meio de seus estatutos e assembleias, e não por meio da atividade legiferante estatal, com uso de bens públicos para atendimento de seus propósitos. Condicionar a fruição de benefício de ordem fiscal a esta atuação indevida do poder público como órgão de cobrança destas entidades, escancara a inversão de valores que deve existir, sempre da supremacia do interesse público sobre o privado, e não o contrário”, afirma o procurador-geral de Justiça na ADI, direcionada à presidente do Tribunal de Justiça, desembargadora Maria Helena Gargaglione Póvoas. Ele argumenta ainda que não há, tanto na Lei do Fethab quanto no decreto questionados, qualquer menção à realização de certame licitatório para escolha das entidades a serem contempladas.
Com relação ao uso, em favor das entidades, do sistema arrecadatório estadual, José Antônio Borges afirma na ação: “Em suma, quando a Administração autoriza o condicionamento do diferimento do ICMS e, ainda, funciona como o próprio ente arrecadador para entidade privada, há a utilização de seus recursos humanos e materiais em prol de determinadas categorias econômicas, o que resulta em desvio de finalidade pública (decorrência do princípio da legalidade) e, ainda, em grave violação ao princípio da impessoalidade. O uso de bens públicos materiais e imateriais, bem como da capacidade de trabalho de servidores públicos para fins privados, viola os princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade e da eficiência”.
O Ministério Público aponta ranços de inconstitucionalidade no procedimento mesmo considerando que o Estado recebe 3,5% do montante arrecadado e repassado às entidades pelo “serviço” prestado, uma vez que “tal valor não tem amparo constitucional, eis que não detém natureza jurídica de taxa, dado que não há serviço público relacionado à sua contraprestação, o que representa afronta ao artigo 145, inciso II, da Constituição Federal e ao artigo 149, inciso II, da Constituição do Estado de Mato Grosso.”
As contribuições de entidades privadas, no entendimento do órgão ministerial, devem ser instituídas e cobradas por elas próprias, sem o concurso indevido de agentes estatais, os quais devem voltar sua atenção e força de trabalho para os interesses da coletividade.