Documentário e exposição fotográfica homenageiam os irmãos Ulisses e Ernani Calhao e a contribuição dos dois na criação do Muxirum Cuiabano. O lançamento dos dois produtos artísticos deve ocorrer até o final de 2021 e integram o projeto “Os irmãos Calhao e a identidade cuiabana” contemplado no edital Conexão Mestres da Cultura – Marília Beatriz de Figueiredo Leite, realizado pela Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer (Secel-MT).
A exposição fotográfica está em fase de catalogação. Já as gravações do filme foram concluídas na primeira semana de setembro e agora entra na etapa de pós-produção. O documentário é dirigido por Leonardo Sant’Ana e produzido pela Terra do Sol Filmes. O filme resgata e contextualiza o Muxirum Cuiabano, importante acontecimento que contribuiu para a consolidação de elementos tradicionais, populares e ribeirinhos na iconografia da cultura mato-grossense.
Como se trata de uma abordagem centrada em dois protagonistas pertencentes a um movimento composto por um grupo de pessoas, optou-se por amplo universo de depoentes (14 no total), além de contar com várias imagens de arquivo. O filme segue uma linha cronológica, porém com focos narrativos que eventualmente se separam ou se convergem.
“A narrativa começa lá atrás, na família Calhao. Depois se aproxima dos irmãos e se separa para a história de cada um, até se juntar novamente quando os irmãos se reúnem no Muxirum. E finalmente se divide em três linhas narrativas: o que cada irmão está fazendo e como o movimento evolui e reverbera nos dias de hoje”, explica Leonardo.
Muxirum Cuiabano
Muxirum é um neologismo que significa mutirão ou trabalho comunitário. Fundado em 1989, o movimento foi encabeçado por uma série de personalidades locais. Além dos irmãos Calhao, destacam-se Josephina Paes de Barros Lima, Wanda Marchetti, Adi de Figueiredo Matos, José Marciano Cândia (Pepito Cândia), Lucia Palma, Abel dy Anjos, Aníbal Alencastro, dentre outros artistas, pesquisadores, historiadores, políticos, agentes culturais, jornalistas, empresários, estudantes, funcionários públicos.
“Tínhamos conosco pessoas ilustres, intelectuais, mas tínhamos principalmente a base, o povo de verdade, que entendia a nossa linguagem, por isso o movimento ganhou corpo. Foi tudo baseado num sentimento verdadeiro”, ressalta Ernani.
O Muxirum se manteve ativo por quase uma década e tinha como propósito a salvaguarda de patrimônios imateriais e materiais de Cuiabá, mediante ações de divulgação, conscientização e valorização. “Era um movimento de pessoas dispostas a repensar a história, um movimento de resistência. Resistência àquela possível perda dos nossos valores culturais”, relembra Ernani.
O contexto da época justificativa este temor, afinal a população passava a assimilar a narrativa de que a cultural local era inferior às demais, tanto as trazidas pelos imigrantes, em sua maioria sulistas, quanto as propagadas pela televisão, majoritariamente do eixo Rio-São Paulo.
“O processo de urbanização de Cuiabá e esse fluxo migratório muito intenso fez com que a cidade crescesse muito rápido. E isso ameaçava elementos que faziam parte do imaginário e tradição da população local”, explica Leonardo.
A revitalização das festas de São Benedito e do Senhor Divino foi um dos grandes feitos do movimento. Ambas, aliás, estiveram à beira do esquecimento naquele período. Portanto, se hoje são duas das manifestações religiosas mais tradicionais e populares de Mato Grosso, este reconhecimento passa pelas mãos e ações do grupo.
O Muxirum também teve papel de destaque na preservação da memória arquitetônica da cidade, além da permanente luta pelo legítimo reconhecimento público de manifestações artísticas e culturais locais, como o siriri e o cururu, o rasqueado, a gastronomia, o “djeito” de falar, o artesanato, dentre outras formas de expressão que constituem a identidade local.
“Começamos com o intuito de olhar para as nossas bases, nossas raízes. E quando a gente faz o levantamento desta memória e percebe tudo que se conquistou em termos culturais para Mato Grosso é extremamente gratificante”, relata Ulisses.