Em audiência pública promovida nesta segunda-feira (10) pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, representantes de farmácias e médicos discordaram sobre o uso de certificação digital em prescrição médica eletrônica. Enquanto o Conselho Federal de Medicina (CFM) tem incentivado a certificação dos médicos, para permitir rastrear a prescrição e evitar fraudes, a Associação Brasileira das Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) defende que os certificados digitais sejam substituídos por técnicas mais modernas de autenticação, sem limites ou custos desnecessários para desenvolver os sistemas de prescrição eletrônica.
A audiência pública também contou com representantes do governo, de farmacêuticos e de empresas de telemedicina. Todos concordaram que o sistema de prescrição médica eletrônica deve permitir que o paciente escolha onde vai comprar o remédio e garantir a segurança e o sigilo médico.
A deputada Adriana Ventura (Novo-SP), que solicitou a audiência pública, apontou para a necessidade de desenvolver a cultura do compartilhamento de informação. “A gente tem uma questão de confiança para trabalhar, este é um grande desafio”, observou. Ela questionou se a certificação seria exagerada ou se sua retirada poderia comprometer a segurança da dispensação de remédios. “Recebo muitos pedidos de médicos dizendo que a gente não tem que onerar o bom médico”, relatou.
O deputado Dr. Zacharias Calil (DEM-GO), que também participou do debate, disse estar preocupado com o receituário e a prescrição eletrônica. “Não sou contra tecnologia, mas cuidados em relação a medicamento, prescrição e dosagem têm de ser muito bem assimilados pela sociedade”, apontou. Ele alertou para os riscos de erro na dispensação de medicamentos. “Mesmo presencialmente acontece de alguém pegar um frasco de determinado medicamento e confundir com outro.”
Consulta pública
O Diretor do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), Jacson Venâncio de Barros, sugeriu que a plataforma gov.br seja utilizada para flexibilizar a assinatura e certificação digital. Ele apontou para a necessidade de definir um padrão nacional para troca de informação, regulamentando o uso para dar garantia a quem prescreve e quem dispensa os medicamentos. Barros anunciou que será lançado um projeto piloto na Farmácia Popular. “Hoje o paciente tem burocracia grande para acessar a documentação, difícil de controlar por causa dos processos manuais.”
A coordenadora de Controle e Comércio Internacional de Produtos Controlados da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), Moema Luísa Macedo, convidou todos para colaborar em consulta pública sobre a regulamentação dos requisitos para emissão, prescrição, aviamento, dispensação e guarda das receitas de controle especial, antibióticos e de produtos derivados de cannabis emitidas em meio eletrônico. A consulta está disponível no site da Anvisa até 24 de maio.
“Hoje não é possível emissão eletrônica desse receituário sujeito a notificações de receita, como entorpecentes, psicotrópicos, retinoicas e imunossupressoras”, notou. Ela afirmou que, no médio e longo prazo, a Anvisa deve permitir que todos os medicamentos sejam prescritos digitalmente, incluindo as receitas azuis e amarelas.
Na regulamentação proposta pela Anvisa, a assinatura eletrônica do profissional de saúde deverá ter certificado digital, e a farmácia vai verificar a autenticidade por meio de consulta a portal de validação de documentos. O farmacêutico também deverá assinar os documentos com certificado digital e manter arquivados os receituários em meio eletrônico para fiscalização. “Continuará válida a receita em meios físicos”, garantiu Moema Macedo. Pelas regras propostas pela agência, a receita eletrônica será utilizada apenas uma única vez e não poderá ter uma dispensação posterior.
Certificação
O primeiro-secretário do Conselho Federal de Medicina, Hideraldo Luís Souza Cabeça, destacou que, atualmente, cerca de 57% dos 552 mil médicos no Brasil possuem certificados digitais ICP-Brasil, que permitem rastreabilidade. Antes da pandemia de coronavírus, eram apenas 22%. O próprio CFM desenvolveu uma plataforma gratuita de prescrição eletrônica, em colaboração com o Conselho Federal de Farmácia, onde é possível emitir atestado médico, relatório médico, pedido de exames, receituário simples e de antibióticos. A plataforma emite em média 60 mil documentos por mês.
“Estamos avançando para nos tornar uma autoridade de registro eletrônico e proporcionar que o médico brasileiro consiga, com valores reduzidos, o certificado digital”, declarou. “Temos de manter a prerrogativa de sustentar sigilo médico e rastreabilidade do processo, com dispensação adequada. Médico, farmacêutico e paciente devem ter segurança no processo.”
O diretor-executivo de Relações Institucionais da Associação Brasileira das Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), Renato Alencar Porto, alertou para o risco de o processo digital repetir os erros do processo analógico. Ele afirmou que a Lei 14063/20, originada da Medida Provisória 983/20, atrasa o avanço no setor ao exigir certificados digitais. Porto notou que os sistemas bancários não usam certificado digital e mesmo a Receita Federal acabou de extinguir o uso de certificado digital.
“Quem emite receita tem condição de garantir e quem dispensa tem condição de autenticar, independentemente, desde que tenha um padrão de documentação e um repositório comum”, propôs.
Porto ainda observou que a ausência de certificado digital não impede a segurança por meio de outros métodos de autenticação mais modernos, assim como os utilizados pelo sistema bancário. “Será que todos os municípios e farmácias têm condições de validar online?”, questionou.
Receita ilegível
A assessora do Conselho Federal de Farmácia (CFF) Josélia Cintya Pena Frade lembrou de casos em que a receita manual, pouco legível, levou à venda de um medicamento trocado, com nome semelhante. Ela espera que o sistema eletrônico seja mais seguro do que as prescrições manuais ao reduzir a ilegibilidade de receitas manuscritas. Mesmo assim, Josélia admitiu que a regulamentação da telemedicina pegou os farmacêuticos de surpresa. Ela apontou para a necessidade de registro da dispensação para impedir que a mesma receita digital seja aviada várias vezes.
Outro problema observado pelos farmacêuticos é o uso de plataformas estaduais para certificar a assinatura digital. “Quando o paciente vai para outro estado, não consegue validação”, lamentou. “A receita é um documento que pertence ao paciente. Nenhum ambiente virtual pode induzir a aquisição de produtos em determinados estabelecimentos.”
A diretora da Saúde Digital Brasil, Renata Zobaran, que representa empresas de telemedicina ou atividades relacionada à saúde digital, sugeriu que o novo modelo digital diferencie a prescrição do fármaco.
“Como paciente posso decidir comprar em farmácias distintas, ou uma farmácia pode não ter todos os medicamentos prescritos”, argumentou. “A dispensa deve ser por fármaco e não por prescrição.” Ela reclamou da falta de um banco de dados único de medicamentos no Brasil e defendeu a validação por certificado digital, por acreditar ser um processo mais seguro. “O carimbo do médico é fácil de ser fraudado e podemos sofrer sanções por mau uso de prescrição”, disse.
Reportagem – Francisco Brandão
Edição – Roberto Seabra